aberta ao mundo

Ando pela vida como se abertos estivessem todos os caminhos do mundo. (Mário Quintana)

30.3.05

Príncipe X Lobo

É... Vi algum texto safado dizendo que o Lobo Mau é melhor por causas impublicáveis. Tenho também chegado a estas mesmas conclusões, mas apenas depois de muitas cabeçadas e uma análise mais acurada do príncipe e do Lobo que apareceram na minha vida.

O príncipe encantado é lindo; educado; gentil; é simplesmente adorado pela sua mãe; inteligente; bem vestido; simpaticíssimo; carinhoso; troca futebol com amigos para assistir a uma comédia romântica com você; faz tudo que você quer na hora, do jeito certo, sem titubear... O Lobo mau nem é bonito; nem tão educado; às vezes, grosseiro; sua mãe tem um pé atrás com ele; esforça-se muito para ser alguém; comete gafes terríveis em termos de moda; fecha a cara quando brigam; sai de perto quando com raiva; briga para ir ao futebol com os amigos; é opinioso e decidido...

O príncipe encantado é um mamão. O Lobo mau é um encanto. Aquele é tão “perfeito” que enjoa, que dá até um nojinho! Este é tão imperfeito que encanta, que surpreende. Quando o príncipe chega com flores, a gente pensa: “Ah, meu Deus, o que é que eu falo? Lá vem ele com flores de novo!”. Quando o Lobo chega com flores, a gente pensa: “Nossa! Ele gosta mesmo de mim!”. Quando o príncipe liga, a gente pensa duas vezes antes de atender ao telefone. Quando o Lobo liga, a gente atende sem pensar, com a voz tremendo e o coração saltitando.

O príncipe é, a bem da verdade, só o ideal daquilo que a gente quer num homem, teoria, suposição, conjectura, paradigma. O Lobo é aquilo que é real, palpável e docemente amargo, encantadoramente chato, irresistivelmente oposto ao seu sonho, sedutoramente bruto... São estes opostos, este ser e não ser, presente na personalidade dele que faz você simplesmente babar!

Assim, não há dúvida de que o Lobo mau, com seus defeitos e impropérios, com suas coisas chatas, com seu jeito difícil e sua teimosia, com sua cabeça dura e sandices e também com seu sorriso encantador, com seu cheiro entontecedor, com seu beijo enlouquecedor, enfim, o Lobo é o cara!

Que mané príncipe, o quê? Eu quero o Lobo Mau em minha vida para estraçalhar e juntar os caquinhos do meu coração; para me fazer chorar e ceder um ombro; para brigar e fazer as pazes; para bater e acarinhar; para repugnar e não conseguir viver sem; para correr dele e voltar correndo para ele; para dizer uma coisa e fazer o contrário; para me magoar e me consolar; para, simplesmente, amar e odiar e ser muito, muito feliz meeeesssmo, com todas as nossas pequenas imperfeições!!!! Definitivamente.

PS: Existem tantas coisas escondidas nas entrelinhas deste pequeno texto que daria um outro, só pra explicar. Nunca pensei que euzinha fosse tão capaz de escancarar e ocultar tudo assim. Alguém sempre me dizia ser preciso entender as entrelinhas. Tentem!

27.3.05

Quando o tempo congela

Para certas coisas na vida, parece que o tempo congela. A gente envelhece, mudam os prefeitos, os presidentes; muda a moeda; muda a cotação do dólar; aparecem rugas, aparecem pneuzinhos, até cabelos brancos aparecem, mas o tempo, congelado.

É assim com grandes amigos. Anos sem se verem, meses sem qualquer telefonema, dias a perder a conta sem notícias... De repente, a gente se esbarra na padaria, e aí são horas de conversa, contando as novidades, os namoros, os filhos, a família... É tanto assunto e tamanha a intimidade que você pensa que nâo vê aquela pessoa desde ontem.

Às vezes, eu mesma me assusto com a intimidade que tenho com certas pessoas. Mesmo a gente não se vendo nem se falando sempre, mesmo passando messes (anos, às vezes) sem nos encontrar; no dia que a gente se fala, parece que nada mudou, que o tempo esteve parado. Tudo bem que alguém casou, teve filho, morou no exterior, passou um tempo em outro estado, criou alguns cabelos brancos... A nossa relação, pensamento, ideologia continuam as mesmas.

Mas o tempo congela mesmo quando se trata dos grandes amores de nossas vidas. Todo mundo tem alguém que se encaixa neste perfil. Alguém que, embora faça muito tempo que não encontramos, basta bater o olhar para aquele vendaval químico desandar dentro da gente. As mãos suam, as pernas tremem, engasga, baixa a vista, o coração papocando dentro do peito...

Não adianta. Algumas pessoas passam por nossas vidas e deixam marcas profundas, raízes, cicatrizes que não somem nunca. Amores são mesmo inesquecíveis. Uma canção antiga já dizia: “De cada amor, tu herdarás só o cinismo”. Discordo. Acredito que a gente herda sempre centenas de recordações de momentos muito bons, fotos, cartas...

São tantas coisas que guardamos cá conosco, que um pouquinho da pessoa fica dentro da gente. As imagens são tantas: um sorriso, um sinal que ele tinha no pescoço, um jeitinho meigo, um apelido carinhoso, os sussurros, as comemorações de aniversários de namoro, as ligações... São estes detalhes de nós dois, estas histórias só nossas que acarretam a explosão química quando cruzados os olhares, quando a voz ressoa no telefone.

É verdade, para algumas coisas o tempo pára.

Tem uma poesia traduzida por Manuel Bandeira que mostra perfeitamente como reajo a esses encontros inesperados:

Renúncia
Patrícia Morgan

“Me mantive branca,
Me mantive estática;
No entanto uma chama
De paixão estranha
Ardeu dentro em mim.
Mas ele não soube,
Nem saberá nunca,
Tudo que senti...

Vi mundos nublados,
Me aromei de nardos,
Me tremia o peito...
E em meu porte erguido,
Me mantive estática,
Minha emoção foi pálida...
Já passou o momento,
Foi-se a tempestade.

Não saberá ele
Que senti seus lábios
Beijar minha carne;
Que ao fitar no seus
Meus olhos profundos,
Entreguei minh’alma;
Que tremi de anelos,
Juntando nas minhas
As suas mãos cálidas.

Mas passou o momento
Como tudo passa,
E entre labaredas
Desse fogo imenso
Me mantive estática,
Me mantive branca.

Tu sábio e grandioso
Senhor do Universo,
Tu, sim, é que o sabes;
Te entrego este grave
Instante que redime
Meus pecados todos;
Guarda o meu segredo,
Que ele nunca saiba
Isto que tu sabes.”

22.3.05

Não quero a perfeição!

Final feliz (??) para uma história de amor. Final previsível, pré-destinado, plausível, esperado. Anita feliz com Rodrigo. Perfeito!

Que se dane a perfeição, porque ela não tem a menor graça! Não tem graça quando é assim: por demais óbvia, por demais lógica, por demais... A perfeição é isso mesmo: rotineira, monótona, sem surpresas, sem emoção. Diante dessa conclusão, resolvi algo para a minha vida: Vou correr léguas dos príncipes encantados.

Não quero o homem que a minha mãe sonhou. Não quero o genro-filho-marido perfeito. Não quero uma vida perfeita, numa casa perfeita, com filhos perfeitos, em dias perfeitos... Detesto o Sandy’s way of life! Nada nem ninguém são perfeitos. Somos todos falíveis e errantes e é neste ponto que está toda a beleza da vida. É justamente no que há de defeito em nós, que estão nossos maiores encantos. Somos o que somos. E quero um ser humano ao meu lado. Alguém com dúvidas, questionamentos, problemas, erros, confusões, mudanças de humor, altos e baixos. Quero simplesmente alguém sem maiores qualificativos.

Procuro alguém que me escute e rebata. Alguém que me ame e saiba dizer quando estou errada. Alguém que brigue comigo quando for preciso e que me ofereça ombros largos e carinho para suportar meu pranto. Quero alguém opinioso, impulsivo, amigo, generoso... Mas que, ao mesmo tempo, seja ocupado (como eu), sem tempo (como eu), cabeça dura (como eu), imprevisível (como eu), chato (como eu)... Alguém que entenda que pouco importa o que aquelas pessoas que não têm influência nenhuma na nossa vida pensam da gente, pouco importa o que elas acham-falem-comentem-espalhem. Pouco importa quanto dinheiro se têm. Pouco importa o que já passou, pelo simples fato de já ter passado.

Quero mesmo alguém que perceba que, às vezes, a minha carranca é proteção, minha extroverção (essa palavra existe???) é timidez, meu sorriso é uma máscara, meu desdém é admiração, minha ausência é manifesta saudade, meu pranto é alegria, minha alegria é fingimento, minha antipatia é precaução, minha verborragia é insegurança, meu silêncio é tristeza, meu isolamento é reflexão, minha falta de tempo é válvula de escape, minhas farras são apenas necessidade de afirmação, minha vaidade é baixa-estima, meus “enfins” são só “poréns”, meus pontos finais são apenas vírgulas, meus “nãos” são “sins”... Ou não! Talvez não seja nada disso! Quero alguém que entenda toda a antítese que eu sou, toda a confusão, a bagunça que há em mim e ainda assim me ame!

Alguém disse que talvez Anita não seja feliz com o Rodrigo, que ela deveria perceber o quão volúvel ele é. Concordo. Mas ela só vai saber se essa história é pra valer se tentar. E Anita tá lá, se arriscando mais uma vez. Eu faria o mesmo! Faria igual a ela, mil vezes se fosse preciso! Já bati a cabeça na parede tantas vezes mesmo! Enquanto não estivermos perdendo tempo e oportunidades, sempre vale a pena mesmo que não seja A pessoa.

Sou assim: só aprendo no erro. Sigo errando, sigo sem saber o que virá, mas sinto que O ALGUÉM está a caminho.

“Na bruma leve das paixões que vêm de dentro,
tu vens chegando pra brincar no meu quintal.
No teu cavalo, peito nu, cabelo ao vento
e o sol quarando nossas roupas no varal.
Tu vens... tu vens....
Eu já escuto teus sinais.
A voz de um anjo sussurrou no meu ouvido,
E eu não discuto já escuto teus sinais,
Que tu virias numa manhã de domingo
E eu te anuncio nos sinos das catedrais...”

Esse post faz algum sentido pra vocês??? Ou sou só eu que tô achando ele meio doido???

21.3.05

A felicidade de volta

- Anita! Anita! Espera aí!

Anita andava rápido, queria sumir daquele lugar, mal via o que estava ao seu redor, tudo embaçara em volta de si... De repente, o mundo inteiro era um quadro em branco e preto. Ouvia alguém gritando seu nome, mas queria ir embora sem dar explicações... Ao chegar à porta do carro, sentira a mão de alguém em seu ombro e gritou. Virou-se e viu Rodrigo, resfolegando, pálido, trêmulo, nervoso, suado, a boca semi-aberta, os olhos lacrimejando...

- Rodrigo... O que você tá fazendo aqui?? Por que veio atrás de mim?? Preciso ir... Mamãe não está muito bem... (Sabia que qualquer outra desculpa não seria convincente)
- Anita... Desculpe-me!
- Não! Você não precisa pedir desculpas por nada... Tá tudo bem!
- Anita...
- Rodrigo, não temos que ter esta conversa. Preciso ir agora!
- Escute-me! Preciso que você saiba de algo...

Rodrigo se aproximou... Anita sentiu o corpo dele colar ao seu, sentiu a respiração ofegante e quente mais próxima, sentiu a mão apertar-lhe a cintura, sentiu as pernas amolecerem e as borboletas revoarem dentro de si, sentiu a cabeça pendendo, o corpo como se estivesse derretendo, os lábios se entregando ao beijo de Rodrigo. Aquele beijo intenso, apaixonado, o único beijo que fazia seu coração pular, um beijo terno e sensual, um beijo doce e quente, um beijo... Sim, ela estava beijando Rodrigo novamente!!! Como assim?!?!? Ele acabara de pedir Ravenna em casamento e cantara para esta a música deles dois!!!

- Rodrigo!!! - Gritou Ravenna ao ver a cena e milésimos de segundos antes de explodir em choro.

Anita ficou atônita. Não sabia se entrava no carro e fugia dali, ou se acalmava a noiva (será que ainda era?) de Rodrigo. Não sabia se lhe dava um tapa na cara ou se pegava sua mão e escapava de lá. Não sabia se sorria ou se chorava. Não sabia se aquilo era uma prova de amor ou uma cafagestagem. Não teve nem tempo de pensar, de colocar as idéias no lugar, de arquitetar argumentos plausíveis e irrefutáveis para convencer Ravenna de que não era nada do que ela estava pensando, não refletiu sobre nada, nem percebeu direito o que de fato estava acontecendo. Só ouvia os soluços de Ravenna e os saltos de seu coração...
Rodrigo segurou com força sua mão, olhou para Ravenna com piedade, disse que sentia muito, mas que não viveria mais uma mentira, não queria errar novamente. Olhou nos olhos de Anita, pediu-a que abrisse o carro e saíram juntos de lá, cantando “There’s nothing for me but to love you, just the way you look tonight...”

18.3.05

A felicidade perdida

Ao escrever o post anterior, não sabia que ele causaria tanto furdunço. Pois bem. Alguém (http://cafedoblog.blogger.com.br/) ficou encafifado e replicou. Eis a visão do Rodrigo, eis o que ele pensou naquela fatídica festa de casamento. Espero que gostem e saibam que a história continua. Em breve, cenas do próximo capítulo! Deliciem-se... Obrigada, Fernando!!!

"Naquela noite, preparei minhas malas que fariam parte da minha futura viagem à Paris,a qual aconteceria na manhã seguinte. A despedida com Arthur não poderia ser em outro momento e o convite ao casamento foi o seu presente àquela que foi e ainda é a amizade mais duradoura que possuo. Arthur era mais que um colega da faculdade era praticamente meu irmão mais velho.
Fitei Ravenna pelo maior tempo que me foi possível e quando sentia que o caminho estava livre, de relance olhava para a mesa à minha frente e depois de um certo momento senti que não poderia mais disfarçar. Ravenna estava comigo há um ano e dois meses e nesse período puder ver que sua beleza fazia muito bem aos olhos dos outros e não muito aos das outras... Tinha uma influência sem igual e isso fazia dela uma pessoa querida por todos e sua simpatia a tornava mais bela ainda. Cursava exemplarmente a faculdade de medicina e isso fazia com que eu tivesse maior afinidade de modo que estávamos de vôo marcado naquela que seria uma viagem de passeio e também de estudos.
Exitei por um instante ao convite de Arthur e Bianca, pois sabia concretamente quem seria sua madrinha, porém, não teria uma outra oportunidade de vê-los. Sendo assim, prendi a respiração, fiz de conta que nada estava acontecendo e segui para a entrada do salão.
Ao avistá-la, desviei rapidamente os olhos para que não fosse notado. Consegui, ainda que discretamente, manter minha postura perante a reação interna que meu coração provocara ao olhar o brinco, presente de um mês de namoro com Anita. Dava para sentir que quando adentrei ao centro, os olhos seguiram em minha direção e ao passo que a cerimônia acontecia, minha pele arrepiava sentindo saudades do tempo que havíamos passado juntos e que por um motivo banal tinha se tomado outro rumo. Minha fisionomia parecia de um ser apaixonado e, no entanto, minha razão pensava a todo o momento somente numa reação para aquela noite: Resgatar todo aquele sentimento que uniu Eu e Anita durante três inesquecíveis anos.
Quando Bianca foi jogar o buquê, fechei os olhos e fiz um pedido...(quem olhava para mim deveria imaginar piamente que era em Ravenna que eu pensava... mas não!). E, quando aos gritos abri os olhos, corri numa alucinação e abracei a sorteada levando-a ao palco e cantando a música que era a NOSSA MÚSICA: “Someday, when I’m awfully low and the world is cold, I will feel a glow just thinking of you and the way you look tonight...”.
Por um instante notei que não fazia a coisa certa e foi aí que vi que Anita não estava em meus braços e que era Ravenna que eu dizia que amava... Abracei Arthur e balbuciei apenas duas palavras: “Perdão...Cara!” e minha reação seguinte ao ouvir o playback foi sair bruscamente pela porta e ir em busca da minha verdadeira felicidade, que acabara de sair com lágrimas nos olhos."

17.3.05

Do amor e do ciúme

Anita estava sentada à mesa com inúmeras amigas. A festa estava perfeita, todos os amigos estavam lá, parentes, familiares, colegas do escritório... O casamento de sua melhor amiga estava sendo perfeito! Anita estava feliz por ela. Conheceram-se nos tempos colegiais, estavam juntas quando ela conhecera o atual marido e foi Anita, a primeira pessoa para quem a amiga ligou quando foi pedida em casamento, sabia do amor de ambos, tinha certeza que seriam muito felizes, por isso mesmo, aceitou o convite para ser madrinha.

Rodrigo entrou no salão de mãos dadas com sua namorada. Fora convidado para o casamento pelo noivo, velho amigo, fizeram faculdades juntos. Algo mudara dentro dele desde que conhecera Ravenna: ela era linda, inteligente, gente boa, divertida, boa de cama, carinhosa, meiga... Ela era ELA, era a mulher que ele sonhara conhecer... Olhava-a como se não houvesse mais ninguém ao redor deles, não entendia como ela poderia amá-lo tanto, logo ele, somente ele.

Anita não tirava os olhos dos dois. Desde que eles adentraram o salão, a festa acabara para ela. Ela era muito bonita, sim, mas que corte de cabelo era aquele? A maquiagem pesada demais! O que tem a ver essa sombra azul turquesa com esse vestido pink? Todo mundo sabe que não se deve usar vestido longuete em casamentos à noite? Será que essa moça é completamente sem noção??? Mas ele está lindo nesse terno risca de giz: mais magro, mais atlético, os olhos luminosos e o sorriso entontecedor...

Rodrigo não parava de apreciar Ravenna. Ela era sociável, típica mulher que consegue se dar bem com todo mundo, mantém uma conversa sobre qualquer assunto, se vira em qualquer lugar, sorri e dá atenção sem ser chata ou inconveniente, sabe se portar perfeitamente. Lembra-se das histórias tristes de sua infância, das dificuldades pelas quais ela teve de passar e pensa que tem obrigação de amá-la muito e sabe que a amaria de qualquer jeito.

Anita, em seu canto, lembra-se dos momentos incríveis que viveram juntos, percebe a forma como ele olha a outra e sente falta de ser objeto daquele olhar. Sabia que ele estava com outra, sabia que estavam muito bem, obrigada, mas nunca tinha visto, nunca tinha os encontrado, nunca! Será que ele nem percebera que ela estava ali? O que havia de mais naquela outra? Infância triste? Recitais em latim? Doutorado? Nada do que a outra se propõe a ser ou fazer é diferente do que Anita oferecera a ele. Então, por que?

Rodrigo só pensava que precisava ter aquela mulher pra sempre com ele. Era ela, ele tinha certeza. Queria passar o resto da sua vida ao lado dela, queria uma festa como esta, queria falar pra todo mundo o quanto a amava. Não podia mais suportar, viveria com ela até se fosse à base de cream-cracker e feijão gelado. A identificação não era apenas carnal, era surreal, metafísica.

Anita, em pensamento, desdenhava da felicidade deles. Aquela cara de quem ganhara na loteria, de quem estava em permanente estado de graça era um afronta, era um disparate! Sabia que estavam de malas prontas para a Europa, iriam passar o fim de ano em Paris; por isso achou que eles não compareceriam ao casamento. Mas lá estavam os dois, na frente dela, sorrindo e apaixonados, felizes como dois imbecis, qualquer um podia perceber isso. As unhas no sabugo doídas de tanto roer, o olhar vidrado na mesa do casal, flashes de momentos felizes, raiva daquela moça que conseguia ser carismática com todo mundo, mas lá no fundo ela sabia que jamais esquecera aquele amor.

Ficaram os dois com seus pensamentos... Anita só pensava no quanto fora feliz com Rodrigo, no quanto amava aquele homem, não entendia o que fez com que todo aquele amor acabasse... Rodrigo só pensava em Ravenna, no quanto a amava e no quanto queria casar-se com ela. A noiva chamou as amigas solteiras para jogar o buquê. Lá se foram Anita e Ravenna... Rodrigo torcia! Expectativa: Um!... Dois!... Três!... A noiva se vira e ri, pisca para Anita, o olhar confidencia que quer muito que a amiga pegue este buquê! Um!... Dois!... Três!... O buquê flutua no ar, rodopia, os milésimos de segundo passam lentamente, Anita ainda vê quando o arranjo floral passa por sobre sua cabeça, vira-se e é testemunha do momento que cai nas mãos de Ravenna, que pega-o, sem qualquer esforço. Rodrigo corre e abraça a namorada, comemora, ajoelha-se na frente de todos e pede-a em casamento aos gritos e tremendo de emoção, quase chora, sobe ao palco e com sua voz rouca oferece uma música à namorada: “Someday, when I’m awfully low and the world is cold, I will feel a glow just thinking of you and the way you look tonight...”

Anita sente o coração apertar, ela também adorava Billie Holliday, baixa a cabeça para esconder as lágrimas, corre até a noiva, sua melhor amiga, despede-se sem precisar falar muito, a amiga compreenderia, e vai embora de vez da festa.

14.3.05

Mais uma de amor

Lis saíra de casa atordoada. A briga com Hugo estraçalhara seu coração. As lágrimas saíam em grossos fios, os olhos vermelhos, uma dor de cabeça, um aperto no peito, uma angústia.... Não se sentia bem. Não conseguia atentar para mais nada. As lembranças das injúrias, das palavras venenosas, das farpas lançadas na noite anterior ainda lhe queimavam por dentro. Passara o dia tentando se concentrar nos seus afazeres, mas, em verdade, não produzira nada no trabalho. No entanto, precisava seguir sua rotina, precisava ir à faculdade aquela noite.

Dirigia atônita. Quase bateu em três carros pelo caminho! Conduzia seu veículo como se tivesse ligado o piloto automático. Só passava a primeira para arrancar, quando os carros de trás buzinavam e o sinal estava verde há tempos... A voz de Hugo não lhe deixava, a frieza com que ele falara aquelas coisas horríveis... Lis chorava!

Alguém no carro ao lado olhava-a como se lamentasse... “Foda-se!”, pensava ela. Queria ficar só com sua dor! O carro de Lis seguia o fluxo do tráfego e a zoada do motoqueiro que passava de raspão pelo seu retrovisor fazia com que ela voltasse a prestar atenção no trânsito e deixasse os pensamentos que remetiam sempre a Hugo.

Novamente, parou num sinal vermelho. A conversa da noite anterior reverberava dentro dela. De repente, um carro azul passa na rua perpendicular, no banco do passageiro alguém parecia Hugo; no do motorista, uma moça sorri. Será mesmo ele? Lis não sabia que horas eram, não sabia se estava atrasada para aula daquela professora chata, não importava se iria perder a revisão para a prova final, ela engatou a primeira e saiu correndo atrás do tal carro azul.

Uma perseguição arriscada. Às seis da tarde, o trânsito é congestionado, tem muita gente na rua neste horário. Todos estão saindo dos escritórios, dos colégios, indo às faculdades, as suas casas... Lis cortava os carros, ultrapassou o sinal vermelho, subiu um pouco uma calçada... As multas já não importavam! Inúmeras outras transgressões foram cometidas até que se aproximasse do carro azul.

Naquele momento, o carro já estava com os vidros fechados e a película escurecedora impedia-a de enxergar perfeitamente os passageiros. Não via bem, mas era Hugo, deduziu pelos gestos. Ele sorria, passava a mão no cabelo, falava muito e utilizava suas mãos para ser mais persuasivo. Viu quando ele puxou a motorista e beijou-lhe a boca.

Lis chorava em seu carro, sozinha, descompensada... Lembrava-se da primeira vez que saíram, do primeiro aniversário de namoro, dos beijos bem dados de Hugo, dos versos que lhe escrevera, da forma inigualável que faziam amor...

Uma súbita fúria tomou conta de Lis. Não conseguiu se controlar: abriu a porta no meio do engarrafamento, deixou a chave na ignição, o carro ligado, sua bolsa, suas coisas da faculdade, desceu e foi até o carro azul. Bateu no vidro do passageiro, Hugo abriu-o surpreso, não imaginava que fosse encontrá-la ali, àquela hora, do nada, assim... A moça ao lado era mais bonita do que ela imaginara e pudesse conceber.

Lis gritava, muitas pessoas paradas ao redor olhavam a cena esdrúxula, ela chorava, soluçava e tentava (em vão) magoar Hugo, que apenas se sentia constrangido com a situação pela qual fazia a outra moça passar, tentava protegê-la pedindo que Lis fosse embora e os deixasse em paz. Lis não ouvia-o, pedia-lhe para não procurá-la nunca mais, xingava-o, chutou o pneu do carro, bateu no capô, bradou alto inúmeros adjetivos infames, injuriou o amor que sentia, execrou seu tormento e chorou convulsivamente... Quando não pôde mais falar porque a voz lhe faltou, sentou um tapa na cara de Hugo e deu de ombros, devastada, arrasada!

Retornou ao seu carro. Nem verificou se seus pertences continuavam lá. Arrancou cantando pneus. Fugiu só Deus sabe para onde, a cento e vinte por hora. Sentia que a tristeza se esvaía à medida que a velocidade aumentava. Pegou uma rodovia federal que levava até Porto Alegre. Uma estrada conhecida por suas péssimas condições. Seu excesso de velocidade foi verificado por inúmeros radares... Lis cegou-se pelas lágrimas, pela dor, pelo aperto no peito e bateu em um caminhão que estava parado no acostamento.

Uma folha de caderno solta no que sobrou do seu carro, chamou-me a atenção*:

“Meu carro vai seguindo o fluxo do tráfego
A moto desliga meu piloto automático
Não sei que horas são, só sei que vou correndo atrás
Não sei se volto mais...
A multa já não importa
Não vejo bem, mas é você pelos gestos
Eu penso em seus beijos, versos e
sexo
Não me procure, então
Minha presença tanto faz
Não se preocupe mais
A culpa não interessa tanto
Durma em Paz
Me sinto bem à cento e vinte por hora
Assim se vai toda tristeza embora...
Descendo a rua, subindo a minha cabeça
Desejo a lua, preciso que ela apareça depressa”
_____________________________________________________
Tiago, meu mano querido, happy birthday to you!
Happy Birthday para os inúmeros aniversariantes deste dia, tanto para os que estão neste mundo quanto para os que não estão mais.
_____________________________________________________
*A poesia na folha do caderno de Lis é a letra da música "A moto" do Kid Abelha. A história é fictícia, imaginei-a para a letra desta música que adoro.

11.3.05

Aproveitei o post dela (http://www.entretantas-eu.blogger.com.br/), se somos mesmo o que amamos, então...

Eu sou...

Flores de primavera
Cores de uma aquarela
Abraço estalando as costelas
Saudade da voz dela

Sol e praia no verão
Carinho de irmão
Gole de colonial limão
Frutas da estação

O sol nascendo
Mesa com amigos bebendo
A festa fervendo
Alegria renascendo

Sonhar acordado
Namorado apaixonado
Beijo bem dado
Fato consumado

Noite de lua cheia
Bronze na areia
Amor que incendeia
Chocolate e lareira

Notícia boa inesperada
Água bem gelada
Fazer amor de madrugada
Dormir de mão dada

Borboletas na barriga
Conversa entre amigas
Carnaval em Olinda
Coxinha e Coca de cantina

Choro de alegria
Energia que contagia
Romance, magia
Sorriso que irradia

Festa de aniversário
Cartas de um relicário
Reler o antigo diário
Ouvir A canção no rádio

Blogs de amigos
Suspiros no ouvido
Churrasco no domingo
Um amigo colorido

Bomba de brigadeiro
Férias em janeiro
Amigo verdadeiro
Sumir sem paradeiro

Música Popular Brasileira
Isabel Allende, Lyra, Bandeira
Fim de semana sem eira nem beira
Banho relaxante de banheira

Banho de chuva
Champagne e uva
Água mole em pedra dura
Aquilo que ninguém segura

Viagem inesquecível à França
Colo de mãe e manha
Comer até encher a pança
Sanduíche, pizza, lasanha

Fortaleza, Rio de Janeiro, Salvador
Paixonite por professor
Carteiro com carta de amor
Amigo voltando do exterior
Cafuné, pipoca, filme, cobertor,
Samba, beijo, suor, calor,
Mãos, pernas, amassos, torpor,
Sem querer, enlouquecer de amor!


9.3.05

Pra te enganar, escondo num sorriso a dor...

Já falei sobre isso aqui (aqui não, lá). Existem pessoas que simplesmente não se importam, que simplesmente não merecem, simplesmente não sabem valorizar os demais... São pessoas que andam pela vida arrasando corações, destruindo sonhos, desfazendo esperanças, estragando sentimentos e momentos. Existem pessoas que, até sem querer, tem o dom de machucar os demais...

Às vezes alguém entra na nossa vida meio sem querer, sem saber, sem perceber, se torna alguém importante para gente. Vai marcando terreno, construindo um barraquinho, coloca um isopor com bebidas e um forninho portátil... Vai se instalando. A gente vai deixando, fingindo que não é nada, suspeitando, mas gostando. Um pé atrás, mas os dois no chão!

De repente, já tem uma construção sólida, eletrodomésticos, toda uma infra-estrutura... A pessoa tá lá, tem seu lugar e não há mais como voltar atrás. Está consumado!

Tá tudo muito bom, tá tudo muito bem... Até que o tal morador resolve ligar o cortador de grama, que sai rasgando tudo por dentro, cego, arranca as esperanças, machuca o terreno fértil irreversivelmente, faz a terra se tornar estéril, puxa as raízes do sentimento para fora e deixa tudo lá, aberto, sangrando...

Arrasado, ferido, prostrado, descompensado.. O coração tenta se recompor, juntar os pedaços e se abrir novamente. Em vão. Até que volte a ser fértil, haverá inúmeras decomposições de sentimentos e vendavais de lágrimas... Um dia o sol nasce novamente e o céu se torna azul.


PS: Sem comentários...

3.3.05

Fragmentos


Ciúme I

Eu nunca te amei, idiota!
Odeio tua letra torta,
a maneira como acorda
e o não saber me amar.

Detesto tuas fantasias,
tua adolescência tardia,
tua imaturidade vadia
e o fato de não me notar.

Repugno teus ideais,
tuas ambições, teus sinais,
teus egoísmos letais
e o não me ver, mas olhar.

Rejeito teus sentimentos,
tua dor, teus tormentos,
tua paixão, teus momentos,
tua gana por me deixar.

Não aguento tua inconstância
Nem minha falta de importância
na vida resumida à ânsia
de um dia voltar pra lá.

Mas mais insuportável que tudo
é te ver dar a volta ao mundo
para estar com ela um segundo
e depois voltar pra cá.


Ciúme II

Cacos de vidro pela casa
O espelho estilhaçara
A cama desarrumada
Travesseiros pela sala
Fotos rasgadas
Cadeiras derrubadas
A porta escancarada

Não, eu não tenho juízo
nem sei viver sem teu riso.
É uma entrega sem freios,
sem limites ou receios...
Meu amor é imprevisível
mas também indivísivel.
Acaba logo essa novela
e volta correndo pra ela!

Deixa-me enlouquecer em paz!

Nunca expus assim meus poemas mais que despretensiosos. Como já diria um amigo, quem está aberta ao mundo, tem que se submeter a esses pequenos riscos. Os poemas são para alguém que não merece mais sentimento algum, mas que mesmo assim, existe algo em mim que não quer deixá-lo ir. Whatever! Comentem...