aberta ao mundo

Ando pela vida como se abertos estivessem todos os caminhos do mundo. (Mário Quintana)

17.3.05

Do amor e do ciúme

Anita estava sentada à mesa com inúmeras amigas. A festa estava perfeita, todos os amigos estavam lá, parentes, familiares, colegas do escritório... O casamento de sua melhor amiga estava sendo perfeito! Anita estava feliz por ela. Conheceram-se nos tempos colegiais, estavam juntas quando ela conhecera o atual marido e foi Anita, a primeira pessoa para quem a amiga ligou quando foi pedida em casamento, sabia do amor de ambos, tinha certeza que seriam muito felizes, por isso mesmo, aceitou o convite para ser madrinha.

Rodrigo entrou no salão de mãos dadas com sua namorada. Fora convidado para o casamento pelo noivo, velho amigo, fizeram faculdades juntos. Algo mudara dentro dele desde que conhecera Ravenna: ela era linda, inteligente, gente boa, divertida, boa de cama, carinhosa, meiga... Ela era ELA, era a mulher que ele sonhara conhecer... Olhava-a como se não houvesse mais ninguém ao redor deles, não entendia como ela poderia amá-lo tanto, logo ele, somente ele.

Anita não tirava os olhos dos dois. Desde que eles adentraram o salão, a festa acabara para ela. Ela era muito bonita, sim, mas que corte de cabelo era aquele? A maquiagem pesada demais! O que tem a ver essa sombra azul turquesa com esse vestido pink? Todo mundo sabe que não se deve usar vestido longuete em casamentos à noite? Será que essa moça é completamente sem noção??? Mas ele está lindo nesse terno risca de giz: mais magro, mais atlético, os olhos luminosos e o sorriso entontecedor...

Rodrigo não parava de apreciar Ravenna. Ela era sociável, típica mulher que consegue se dar bem com todo mundo, mantém uma conversa sobre qualquer assunto, se vira em qualquer lugar, sorri e dá atenção sem ser chata ou inconveniente, sabe se portar perfeitamente. Lembra-se das histórias tristes de sua infância, das dificuldades pelas quais ela teve de passar e pensa que tem obrigação de amá-la muito e sabe que a amaria de qualquer jeito.

Anita, em seu canto, lembra-se dos momentos incríveis que viveram juntos, percebe a forma como ele olha a outra e sente falta de ser objeto daquele olhar. Sabia que ele estava com outra, sabia que estavam muito bem, obrigada, mas nunca tinha visto, nunca tinha os encontrado, nunca! Será que ele nem percebera que ela estava ali? O que havia de mais naquela outra? Infância triste? Recitais em latim? Doutorado? Nada do que a outra se propõe a ser ou fazer é diferente do que Anita oferecera a ele. Então, por que?

Rodrigo só pensava que precisava ter aquela mulher pra sempre com ele. Era ela, ele tinha certeza. Queria passar o resto da sua vida ao lado dela, queria uma festa como esta, queria falar pra todo mundo o quanto a amava. Não podia mais suportar, viveria com ela até se fosse à base de cream-cracker e feijão gelado. A identificação não era apenas carnal, era surreal, metafísica.

Anita, em pensamento, desdenhava da felicidade deles. Aquela cara de quem ganhara na loteria, de quem estava em permanente estado de graça era um afronta, era um disparate! Sabia que estavam de malas prontas para a Europa, iriam passar o fim de ano em Paris; por isso achou que eles não compareceriam ao casamento. Mas lá estavam os dois, na frente dela, sorrindo e apaixonados, felizes como dois imbecis, qualquer um podia perceber isso. As unhas no sabugo doídas de tanto roer, o olhar vidrado na mesa do casal, flashes de momentos felizes, raiva daquela moça que conseguia ser carismática com todo mundo, mas lá no fundo ela sabia que jamais esquecera aquele amor.

Ficaram os dois com seus pensamentos... Anita só pensava no quanto fora feliz com Rodrigo, no quanto amava aquele homem, não entendia o que fez com que todo aquele amor acabasse... Rodrigo só pensava em Ravenna, no quanto a amava e no quanto queria casar-se com ela. A noiva chamou as amigas solteiras para jogar o buquê. Lá se foram Anita e Ravenna... Rodrigo torcia! Expectativa: Um!... Dois!... Três!... A noiva se vira e ri, pisca para Anita, o olhar confidencia que quer muito que a amiga pegue este buquê! Um!... Dois!... Três!... O buquê flutua no ar, rodopia, os milésimos de segundo passam lentamente, Anita ainda vê quando o arranjo floral passa por sobre sua cabeça, vira-se e é testemunha do momento que cai nas mãos de Ravenna, que pega-o, sem qualquer esforço. Rodrigo corre e abraça a namorada, comemora, ajoelha-se na frente de todos e pede-a em casamento aos gritos e tremendo de emoção, quase chora, sobe ao palco e com sua voz rouca oferece uma música à namorada: “Someday, when I’m awfully low and the world is cold, I will feel a glow just thinking of you and the way you look tonight...”

Anita sente o coração apertar, ela também adorava Billie Holliday, baixa a cabeça para esconder as lágrimas, corre até a noiva, sua melhor amiga, despede-se sem precisar falar muito, a amiga compreenderia, e vai embora de vez da festa.