aberta ao mundo

Ando pela vida como se abertos estivessem todos os caminhos do mundo. (Mário Quintana)

28.8.05

A alegria [e a paixão] é a melhor coisa que existe

Nunca fui fatalista, pessimista, extremista, derrotista, vitimista... Não consigo ter aquele gene que vê sempre o pior em todas as coisas, que entende o mundo como uma grande conspiração contra si, que não percebe a cor e a alegria ao redor.

Alguns se assustaram quando eu disse que era uma pessoa que não tinha problemas. Reagiram afirmando que todos temos problemas, que a vida é feita de problemas e superações, blábláblá...
Explico: tenho pouquíssimos amigos sinceros; desisti (diga-se que porque fui desistida) de um grande amor; magoei uma pessoa querida; tô devendo bem mais que posso pagar no meu cartão de crédito; não tenho namorado, nem paquera, nem pretê, nem sinal de fumaça de amor a caminho; na minha vida não está tocando aquela música “tu vens, tu vens, eu já escuto teus sinais...”; minha melhor amiga me disse, recentemente, que a visão do inferno para ela era ver nós duas, no futuro, morando juntas e sendo a única companhia uma da outra; meus irmãos desconfiam verdadeiramente que ficarei para titia e para madrinha dos filhos deles; meus pais se separaram há muitos anos e isto me deixou severos traumas; sinto que não sou querida em alguns ambientes e tenho convicção (não sem muito relutar antes) que existem pessoas que me odeiam.

Tenho motivos para reclamar? Respondo com plena convicção, pulmão cheio de ar, cabeça erguida, sorriso nos lábios e um certo ar de tranqüilidade e ironia que NÃO.

Explico de novo: Meus pouquíssimos amigos sinceros são insubstituíveis e inestimáveis, sei que fariam qualquer coisa por mim. Acredito, com convicção, que o grande amor tem seu tempo, tem seu timing e, por conta disso, tenho um poder absoluto de juntar os caquinhos do meu coração recém estraçalhado e, junto com eles, todas as recordações, e guardar tudo no fundo de uma caixinha de chumbo trancada a ferro e fogo. Mais que isso, tenho o poder de esconder esta tal caixinha num canto escuro qualquer da minha vida, sem que eu perceba ou sinta, deixo tudo lá latente, mas indolor. Às vezes, até dolor, mas nada que atrapalhe meu dia-a-dia. Quanto às dívidas, já dizem por aí que dinheiro não é problema, é solução. A carência me bate, sim! Sinto falta de ter alguém, sim! Mas nesse momento, descobri que Isabel Allende ou Caio Fernando Abreu ou ainda um excelente filme são ótimas companhias (principalmente num domingo ameno como hoje). Quanto à declaração da best friend ever, tenho que concordar que não é a melhor coisa do mundo ficar no caritó na companhia de uma velha rabugenta; mas me faz feliz saber que mesmo assim não estarei só. Serei tia e madrinha com muito prazer! A separação dos meus pais fez com que valorizasse ainda mais a instituição do casamento, por mais contraditório que isso pareçae apesar dos inúmeros traumas. E, por fim, quanto aos que me odeiam, sinceramente, eles não interferem na MINHA VIDA. Tenho ou não motivos para sorrir???

Repito: Não tenho problemas! Por isso ando assim...
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Para aquele que, agora, me ignora, um trecho do Caio:

[“Por força do meu destino, um tango argentino me cai bem melhor que um blues”]

“Ela está sempre tão dentro dela mesma que qualquer coisa que faça não é nem certa nem errada, é simplesmente o que ela podia fazer.” (Caio Fernando Abreu – Noções de Irene, in: O ovo apunhalado)
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E para que todos entendam a profundidade e dimensão do meu mais novo encantamento, em que me serviu como alcoviteira a Aninha do Vastas e Imperfeitos (link ao lado):

“31 de Janeiro
(Carta do espaço sideral para não ser enviada a Angie)

‘Vem que eu quero te mostrar o papel cheio de rosas nas paredes do meu novo quarto, no último andar, de onde se pode ver pela pequena janela a torre de uma igreja. Quero te conduzir pela mão pelas escadas dos quatro andares com uma vela roxa iluminando o caminho para te mostrar as plumas roubadas no vaso de cerâmica, até abrir a janela para que entre o vento frio e sempre um pouco sujo desta cidade. Vem, para subirmos no telhado e, lá do alto, nosso olhar consiga ultrapassar a torre da igreja para encontrar os horizontes que nunca se vêem, nesta cidade onde estamos presos e livres, soltos e amarrados. Quero controlar nervoso o relógio, mil vezes por minuto, antes de ouvir o ranger dos teus sapatos amarelos sobre a madeira dos degraus e então levantar brusco para abrir a porta, construindo no rosto um ar natural e vagamente ocupado, como se tivesse sido interrompido em meio a qualquer coisa não muito importante, mas que você me sentisse um pouco distante e tivesse pressa em me chamar outra vez para perto, para baixo ou para cima, não sei, e então você ensaiasse um gesto feito um toque para chegar mais perto, apenas para chegar mais perto, um pouco mais perto de mim. Então quero que você venha para deitar comigo no meu quarto novo, para ver minha paisagem além da janela, que agora é outra, quero inaugurar meu novo estar-dentro-de-mim ao teu lado, aqui, sob este teto curvo e quebrado, entre estas paredes cobertas de guirlandas de rosas desbotadas. Vem para que eu possa acender incenso do Nepal, velas da Suécia na beirada da janela, fechar charos de haxixe marroquino, abrir armários, mostrar fotografias, contar dos meus muitos ou poucos passados, futuros possíveis ou presentes impossíveis, dos meus muitos ou nenhuns eus. Vem para que eu possa recuperar sorrisos, pintar teu escuro com kol, salpicar tua cara com purpurina dourada, rezar, gritar, cantar, fazer qualquer coisa, desde que você venha, para que meu coração não permaneça esse poço frio sem lua refletida. Porque nada mais sou além de chamar você agora, porque tenho medo e estou sozinho, porque não, porque sim, vem e me leva outra vez para aquele país distante onde as coisas eram tão reais e um pouco assustadoras dentro da sua ameaça constante, mas onde existe um verde imaginado, encantado, perdido. Vem, então, e me leva de volta para o lado de lá do oceano de onde viemos os dois.’”.

(Caio Fernando Abreu – Lixo e purpurina, in: Ovelhas Negras)