aberta ao mundo

Ando pela vida como se abertos estivessem todos os caminhos do mundo. (Mário Quintana)

7.11.04

Pedras nas mãos

Fortaleza, 07 de novembro de 2004.

“Perdi vinte em vinte e nove amizades por conta de uma pedra em minhas mãos...”

As músicas de Renato Russo, geralmente têm algo implícito, alguma mensagem escondida nas entrelinhas. Esse verso em particular me chamou a atenção recentemente. Não apenas por ser uma música que eu adoro, mas também pela tal da mensagem subliminar incutida aí.

Muitas vezes nem nos damos conta, mas é muito fácil apontar os erros dos outros. Os outros são mal educados, os outros jogam lixo nas ruas, sujam as praias; os outros são grosseiros e dirigem mal; os outros ultrapassam pela direita; os outros buzinam na frente de hospitais. Os outros não respeitam a faixa de pedestres e fazem baderna de madrugada ou nas vésperas das nossas provas finais. Os outros não respeitam as pessoas de bem... Os outros são, na verdade, o problema da nação. São preguiçosos, dormem demais, dão prejuízos ao país. Não estudam tanto quanto deveriam e sobrecarregam as pessoas esforçadas e trabalhadoras que existem nesta nação. Os outros são a vergonha nacional.

Taí, listei inúmeros problemas causados pelos outros. O problema é que os outros somos nós mesmos. Nós atiramos pedras e não enxergamos nossos próprios defeitos, nossos próprios erros, nossos medos, privações e tudo mais que induzem comportamentos desviados, atitudes, digamos, imperfeitas. Os outros é um todo formado por cada um de nós... Mas por que é tão difícil perceber isso???

Se pararmos para pensar: quem nunca jogou papel no chão??? Quem nunca jogou lixo pela janela do carro? Quem nunca ultrapassou pela direita quando tinha uma velha à 40 km/h na faixa da esquerda??? Quem nunca caiu na badalada com uma turma de amigos no meio da semana e chegou em casa com o som nas alturas, cantando alto e acordando todos os vizinhos, às três da madrugada??? Somos todos pecadores, cheios de defeitos... A perfeição simplesmente não existe!!! Não em seres humanos!!!

Assim, atirando pedras nos “outros” (e esta ação imiscui-se com inúmeros outros problemas como: preconceito, auto-imagem, sociabilidade etc) afastamos amizades em potencial e perdemos os amigos que fazem parte dos “outros”. Somos falíveis e imperfeitos. A consciência disso deve ser nosso objetivo maior na vida. Levantar o dedo para mostrar o erro do outro é apenas uma forma que a criatura egoísta que existe em cada um de nós encontrou para tentar esconder o que há de feio e podre em nós mesmos. É ou não é?

Eu ainda chego lá, serei a pessoa que pretendo ser um dia!!! Num futuro próximo, quem sabe, colocarei em prática a forma como acho que cada ser humano deve viver: como se cada dia fosse último, como se este fosse o momento ideal para dizer àquela pessoa o quanto ela é especial, como se não pudesse perder tempo reparando no que os "outros" fazem ou deixam de fazer, como se ninguém influenciasse na minha vida e cada dia fosse de sol, na praia, rodeada de cerveja e amigos... “Só assim serei feliz, bem feliz!”.

Para terminar, o verso final da música: “Quando você deixou de me amar, aprendi a perdoar e a pedir perdão”. Quem melhor que o amor para nos mostrar o quanto somos frágeis e idiotas, o quanto dependemos dos “outros” e que fazemos parte deles??? Só o amor é capaz de modificar este olhar sobre o mundo!!!

Cele

PS: Posso dizer isto com convicção, vivi um amor que me fez amadurecer profundamente. Através dele, aprendi a reconhecer meus limites e potencialidades. Sou outra pessoa após esta história.
PS 2: Ninguém no mundo me mostrou mais meus defeitos do que esta pessoa. Enfim, tudo passa.